A filha vê a mãe se dedicando dia e noite para ela. Vê, 24 horas, a entrega total, sem respiro, sem descanso. Vê uma mulher exausta, que já não se olha mais, não lembra mais de cuidar de si.
A filha vê a mãe cozinhando para o pai, servindo as refeições, o esperando ansiosamente chegar do trabalho. Vê a mãe sendo inteiramente dona de casa e mãe, que já não faz mais as coisas que ama fazer.
A filha entende que aquilo é ser mulher, que é este o seu destino, que ser casada é isso. Ser mãe é isso. E aí, muitas vezes nem quer o mesmo destino pra ela. E foge, arranja desculpas sem nem saber porque. Ou entende que esta é a única forma de realizar seu sonho. Então assim o faz, mesmo não a fazendo tão feliz.
Passam-se gerações. E então, a filha do futuro desperta. Se vê com sede de viver, curiosa, com vontade de explorar a vida.
Ela faz, briga, luta contra o que é imposto. Destrói padrões. E assim, nasce uma nova mulher. Com força, poder e amor próprio.
Uma mulher que é sim esposa, mãe. Que cria seus filhos com amor, ama seu marido, vive uma relação de igual, com os mesmos privilégios possíveis para aquela época, apesar da diferença de gêneros.
Uma mulher que tem sonhos, tem vontade de trabalhar, de ir para fora. De ter sua autonomia financeira, sua vida além do casamento e da maternidade.
E a filha vê aquela mãe, que agora se sente mais completa, feliz. Pode ser que ela gostaria de estar mais presente para os filhos, ter mais tempo para olhar o por-do-sol, soprar aquele dente-de-leão sentindo o vento com sua cria. Pode ser que se culpe por estar pouco com ela e perder algumas etapas de seu crescimento. Mas fez essa escolha.
E então a filha, que sentiu sim a falta de sua mãe por muitas vezes na infância, enxerga um horizonte de possibilidades para além daquela casa, do almoço a fazer e do filho para cuidar. Pode sentir medo também de ser mãe e faltar no que lhe fez falta na sua própria infância.
Mas ela vai, se faz mãe. E, quando amadurece como tal, enxerga que aquela falta que sua mãe lhe fez, foi uma forma de mostrar-lhe que sim: esse mundo é muito grande para apenas viver para o outro. E ao mesmo tempo muito pequeno para viver tudo o que se tem vontade.